domingo, 17 de fevereiro de 2013

“O princípio republicano de que as pessoas não podem eternizar-se nos cargos tem de prevalecer, porque a carne é fraca e o poder corrompe”.07/02/2013




Juízes dizem: Menezes e Seara não se podem recandidatar
Por Pedro Rainho, publicado em 7 Fev 2013 in (jornal) i online

Rui Rangel e Eurico Reis defendem que lei de limitação de mandatos é clara e impede candidaturas dos autarcas com mais de três mandatos

Os juízes Rui Rangel e Eurico Reis defendem que os presidentes de câmara que já cumpriram três mandatos não podem candidatar-se a outra autarquia. Candidaturas como a de Fernando Seara, em Lisboa, Luís Filipe Menezes, no Porto, ou Fernando Costa, em Loures, podem ser travadas pelos tribunais no entender destes magistrados.

A interpretação que Eurico Reis faz da lei leva-o a defender que “a solução mais acertada é aquela que diz que são três mandatos e ponto”. Para o juiz-desembargador do tribunal da Relação de Lisboa, se “o legislador não distinguir as situações o intérprete não pode fazê-lo”.

Também o juiz Rui Rangel afirma que “a lei é clara”. “O legislador pretende que haja uma incapacidade absoluta de alguém migrar para outra câmara”, assegura.

Se os partidos insistirem em apresentar candidatos que violem este princípio, Rui Rangel, presidente da Associação de Juízes pela Cidadania, acredita que haverá nomes “sufragados pelos partidos para ir a votos e uma decisão [dos tribunais] a dizer que [determinado candidato] não pode ir”, porque “o legislador quis que as pessoas não se perpetuassem no cargo”. A questão pode ter sérias implicações em Outubro, quando os eleitores forem às urnas para escolher os seus representantes locais.

Em causa está a lei da limitação de mandatos, publicada em Agosto de 2005, que prevê que “o presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos”. A lei não esclarece se essa limitação se aplica aos autarcas que se candidatam a outra câmara e, para desfazer esse equívoco, o PSD pretendia avançar com uma proposta para clarificar o diploma, mas não chegou a fazê-lo. Nem entre os sociais-democratas– o partido que mais candidatos tem nesta situação – a questão é consensual. Paulo Rangel, um dos autores do diploma, já tinha defendido que a violação à lei levaria a perdas de mandato. “Acho que isso é um risco que pode acontecer e não só eu”, disse o eurodeputado do PSD.

Em sentido contrário, Pedro Santana Lopes, que também contribuiu na preparação do texto, disse ontem ter “a certeza absoluta” de que “a lei foi feita para proibir mais do que três mandatos na câmara em questão”, deixando a porta aberta a candidaturas em outras autarquias.

Posições políticas à parte, Rui Rangel lamenta que sejam “os tribunais a resolver um problema de bom-senso, quando deviam ser os partidos a resolver” a questão. “Não venham depois dizer” – como aconteceu com os pedidos de fiscalização sucessiva da constitucionalidade do Orçamento do Estado – “que é a Justiça a politizar” o assunto, sublinha o juiz.

JURISPRUDÊNCIA A lei autárquica define que serão os juízes que recebem as listas a aceitar ou não as candidaturas e, em caso de dúvidas, o assunto poderá ir parar ao Tribunal Constitucional.

Eurico Reis acredita que a decisão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) sobre o processo que envolve Macário Correia criou uma espécie de jurisprudência. Ao decidir que o autarca de Faro perdia o mandato por ilegalidades cometidas quando era ainda presidente da câmara de Tavira, o STA definiu que “a territorialidade é irrelevante”, e “os tribunais comuns não podem ignorar a interpretação” feita por uma instância superior, entende Eurico Reis.

A grande questão agora prende-se com a interpretação do espírito de uma lei cuja letra final “tem uma redacção equívoca”, como admite o próprio Santana Lopes. A Comissão Nacional de Eleições já publicou mesmo uma deliberação em que defende que a limitação “é restrita ao exercício consecutivo de mandato como presidente de órgão executivo da mesma autarquia”.

O PSD apoia-se no parecer da CNE para justificar o facto de ter desistido de fazer uma clarificação à actual legislação. Eurico Reis sublinha, porém, que a posição da CNE “não tem poder vinculativo” e que “o princípio republicano de que as pessoas não podem eternizar-se nos cargos tem de prevalecer, porque a carne é fraca e o poder corrompe”.

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