quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Uma questão de imagem, prestígio e coerência, para um banco com responsabilidades. A Opinião de António Sérgio Rosa de Carvalho / 25/11/2011 in Público.




Uma questão de imagem, prestígio e coerência, para um banco com responsabilidades
Por António Sérgio Rosa de Carvalho


A banca vive tempos difíceis. À crise de capital e liquidez junta-se a, cada vez mais difícil de gerir, crise de prestígio e imagem.
As elites viram o Inside Job, ou mesmo o All Watched over by Machines of Loving Grace, de Adam Curtis (BBC), onde não apenas as graves consequências da New Economy para o sistema e pessoas são analisadas, mas sobretudo, as suas origens.
As pessoas, essas estão zangadas e ressentidas. Numa indignação difícil de definir e colocar, mas não menos importante por isso, sentem que foram vitimizadas e manipuladas.
O tão ridicularizado por ausência de objectivos e definições movimento Internacional Occupy, no entanto, cresce... e o seu impacto, como sintoma, não é de menosprezar. E o que é que isto tem a ver especificamente e objectivamente com o BES?
Uma das importantes contribuições para a consolidação da imagem pública do universo BES tem sido, sem dúvida, o importante Museu de Artes Decorativas e a sua permanente actividade de consciencialização e defesa do valor patrimonial e histórico dos interiores. Ora, este museu, ilustrativo da importância histórica desses mesmos interiores, está instalado num magnífico edifício sede da Fundação Ricardo Espirito Santo, onde também estão instaladas as oficinas de restauro da mesma fundação dedicadas às Artes Decorativas.
A Fundação Ricardo Espírito Santo complementa a sua importante actividade, que se estende para lá das fronteiras, através do ensino académico da História das Artes Decorativas e Interiores. Ora, perante o desafio que Lisboa conhece no que respeita à preservação da sua imagem histórica e patrimonial, condição sine qua non para a salvaguarda do seu carácter, identidade, brio e prestígio, temos assistido a intervenções promovidas pelo braço imobiliário do universo BES que constituem um paradoxo perante as preocupações e actividades descritas anteriormente.
Assim, nas avenidas, os atentados ao património arquitectónico sucedem-se com propostas contínuas e sucessivas de demolição integral de interiores, ou mesmo de demolição total de edifícios. O casus Rosa Araújo, através de um conjunto de vários edifícios, tornou-se paradigmático deste tipo de intenções, com grande impacto negativo na opinião pública agravado por grandes trapalhadas no processo de licenciamento, o que também tem afectado a imagem pública do vereador do Urbanismo da Câmara de Lisboa, Manuel Salgado, o qual foi precisamente eleito para representar o rigor e a defesa da cidade e exercer pedagogia perante os promotores.
Mas, infelizmente, para todos nós e para o BES, estes casos e tendências já conhecem vários exemplos na cidade de Lisboa.
Talvez o mais significativo e ilustrativo tenha sido o da Avenida Duque de Loulé, 35.
Trata-se da demolição integral de um palacete completamente intacto nas suas características de séc. XIX tardio, e altamente representativo e perfeitamente ilustrativo das avenidas concebidas pela visão urbanística de Ressano Garcia. Ora, misteriosamente, este palacete não fazia parte da Carta do Património de Lisboa e foi possível demoli-lo integralmente para colocar no seu lugar um edifício medíocre e de duvidoso sucesso comercial.
E isto, enquanto a câmara comemora oficialmente o Centenário de Ressano Garcia. Precisamente por Lisboa ser procurada pelo turismo não podemos esquecer, neste momento em que a nossa imagem internacional está como nunca antes, devido à crise, sujeita a um olhar crítico e a um escrutínio implacável, que muitos que nos visitam vêm de uma Europa com centros históricos impecáveis e exemplares no seu grau de conservação e restauro.
O apelo ao BES é, portanto, que pare e medite... se não seria altamente vantajoso integrar os tão louváveis valores e princípios que defende na actividade da sua ilustre fundação na sua actividade imobiliária.
Isso seria um inteligente investimento e uma séria recapitalização num valor insuperável e insubstituível: a imagem e o prestígio.
Historiador de Arquitectura

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