terça-feira, 17 de julho de 2012

Eclipse total no Estoril. A Opinião de António Sérgio Rosa de Carvalho. Domingo 19/8/2007 in Público.





Eclipse total no Estoril
Por António Sérgio Rosa de Carvalho

As consequências das quedas nos voos de Ícaro dos arquitectos são pagas por terceiros


Na história da arquitectura, o conceito Genius loci exprime aquilo que caracteriza essencialmente a sacralidade de um local. Vindo de uma tradição greco-romana, ele é desenvolvido fortemente na arquitectura paisagista do séc. XVIII e pode ser traduzido como "espírito do lugar".

Neste conceito estão contidas as características naturais e fundamentais, topográficas, paisagísticas, geográficas, de um lugar. Deste modo se define, perante a intervenção humana e arquitectónica, aquilo por que o local suplica, exige e clama.

Já há alguns anos, quando se equacionava a possível demolição do Hotel Estoril-Sol, tive a oportunidade de, através de um artigo no PÚBLICO intitulado Sol no Estoril, delírios em Lisboa, apoiar a ideia da sua demolição. Este apoio surgia do facto de eu considerar o Estoril-Sol, embora uma obra de autor, um derivado medíocre em international style de uma unité d"habitation corbusiana, com a conhecida ruptura em tabula rasa com a envolvente e, precisamente, indiferente ao Genius loci do local.

Perante isto, e depois desta demolição, uma responsabilidade acrescida apresentava-se para um projecto alternativo, agora num momento onde os desafios ecológicos e a consciência contextualizante da pós-modernidade, além da necessidade estratégica de prestigiar uma importante zona turística, impunham um projecto duradouro e integrado.

É com preocupação, através de imagens e de um sociologicamente ridículo filme de promoção, que tomámos conhecimento do Projecto Estoril-Sol Residence, da autoria do Atelier de G. Byrne.

Tudo no local clama por uma linguagem arquitectónica integrada em plataformas, terraços abertos, jardins suspensos e varandas em socalcos. O espírito do lugar suplica por "arquitectura na natureza", também na área da sustentabilidade ecológica e na autonomia da climatização, preservadora da paisagem e assim da imagem turística. Numa metáfora comparativa, tão grata aos arquitectos, o local exige o discurso Falling Water de Frank Lloyd Wright [foto].

Em vez disso, vamos ter um projecto baseado numa dualidade, ou mesmo numa dicotomia arquitectura-natureza, numa espécie de linguagem "Seagram" derivada de Mies van der Rohe, mas agora, pelas exigências de contextualização, distribuída pela composição de três volumes envidraçados e herméticos, completamente dependentes da climatização artificial e das consequências que isso implica na área ambiental e energética.

No fundo trata-se de um "arranha-céus Office Park" desconstruído, de forma a torná-lo contextualizado e distribuído em volumes, a fim de o poder classificar como "escultura na paisagem".

As consequências das quedas nos voos de Ícaro dos arquitectos são geralmente pagas por terceiros, sejam eles os habitantes, os promotores ou os autarcas.

Tudo indica que no futuro o único lugar onde se poderá manter a ilusão de uma paisagem marítima intacta, onde estes objectos não existirão, será no próprio interior dos edifícios, agora habitados por pessoas tão ridiculamente tipificadas pelo filme de promoção.

Historiador de Arquitectura

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