terça-feira, 31 de julho de 2012

Aquilo que faz falta ao "Zé". A Opinião de António Sérgio Rosa de Carvalho. 21/12/2009 in Público.



Aquilo que faz falta ao "Zé"
Por António Sérgio Rosa de Carvalho


A Internet e o seu potencial e velocidade de manifestação tornaram-se no pesadelo dos políticos.

Com efeito, aquilo a que se assistiu no séc. XX, com o aparecimento da World Wide Web, representa em autonomização e individualização da capacidade de manifestação de ideias, algo só comparável à "revolução de Gutenberg", cuja invenção da impressão mecânica libertou a palavra escrita do domínio absoluto da Igreja, e levou à revolução protestante.

Portanto, tal como então, o "génio está fora da garrafa", mas agora à velocidade do clique, e não há maneira de o controlar.

Perante a crise acentuada de credibilidade que os políticos vivem, os portugueses emanciparam-se, passaram à segunda plataforma do processo de manifestação e participação democrática, e transformaram-se na sociedade civil, munidos de uma arma e espaço impossível de controlar. A Internet.

Hoje em dia, independente-mente dos seus antecedentes ideológicos e das convicções políticas presentes, os cidadãos encontram-se no "fórum" de manifestação cívica, unidos apenas pelos temas de intervenção.

Ora, o fenómeno "Zé" constitui uma evidência de tal forma explícita da conspurcação deste processo, que se torna quase num mistério. Ele, por si só, não merece a nossa atenção, mas apenas porque é um eleito que se revela prisioneiro do mecanismo "politiqueiro" e, portanto, capaz de causar destruição.

Vindo da democracia participativa, paladino de causas, representante da sociedade civil e da cidadania, o "Zé" teve uma evolução e demonstrou uma capacidade de adaptação ao jogo maquiavélico da "politiqueira", com "tiques" que ultrapassaram a velocidade dos "cliques" internéticos.

Assim, neste último caso do Jardim do Príncipe Real, foi revelado um tal autismo, um tal cultivo do vago e impreciso, um tal desprezo pelos eleitores, atingindo o seu ponto culminante na trapalhada de esclarecimentos ilustrada pelo artigo do PÚBLICO da autoria do José António Cerejo, incluindo "manobras" e "teses" paralelas de assessor e improvisação de licenciamentos, que poderemos considerar que foi já atingido o estado "adulto" da "politiqueira".

Ora isto, na área dos espaços verdes torna-se particularmente grave, especialmente quando se trata de um todo, como no caso do Príncipe Real, indivisível, entre ideal paisagístico, conceito urbano e arquitectura.

Apesar de tardio no séc. XIX, o Príncipe Real representa o único exemplo em Lisboa do square à inglesa, com a respectiva english landscape no seu conceito de jardim.

Portanto, o que estamos à assistir, é à repetição da mesma atitude aplicada no edificado da Lisboa romântica, com a mesma destruição do património, agora vivo, em nome de um conceito vago de "requalificação".

Mas esta atitude também transporta em si, implícita e explicitamente, o "tique" do "quero, posso e mando", tratando os eleitores como atrasados mentais ou velhos do Restelo.

Perante isto, surge a World Wide Web como o espaço livre de acção e manifestação, através dos seus blogues, redes sociais e correio electrónico.

Assim, neste caso específico, no mesmo dia em que a quantidade de árvores a cortar, a sacrificar, passava "de seis e uma de grande porte" a 47, podia-se seguir na Net, a velocidade a que a sociedade civil, digeria o choque, reagia e se organizava...

Perante o argumento da presumível doença ou fraqueza estrutural das árvores, as explicações devem ser dadas antes do acontecimento e não durante a operação-relâmpago.

Perante o argumento das espécies invasoras, ter-se-á que ter em conta que estamos a lidar com entidades vivas... não se trata de objectos decorativos descartáveis. Uma árvore substituta levará quarenta anos a atingir o seu estado adulto.

Portanto, o "Zé", que se pretendia perfilar, agora, como paladino verde, não poderia também, no plano do simbólico ter escolhido pior momento para esta acção... o período em que o planeta tenta decidir sobre o seu sombrio destino ambiental em Copenhaga. Chegou portanto a altura de nos perguntarmos, não se "o Zé faz falta" mas o que faz falta ao "Zé"!

Historiador de Arquitectura

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